O nascimento da nova ordem
Depois da tempestade, espera-se pela bonança. Mas, mesmo que ela nunca dĂȘ o ar da graça, jĂĄ Ă© possĂvel identificar, no fim do tĂșnel em que o mundo se encontra, um cenĂĄrio bem diferente do que temos hoje.
ApĂłs um incĂȘndio ter quase destruĂdo o sistema financeiro internacional, numa crise iniciada em 2007, arquitetos jĂĄ trabalham em uma nova estrutura, enquanto bombeiros ainda lutam contra as chamas. LĂderes das 20 principais economias do mundo reĂșnem-se nesta semana, em Londres, com a missĂŁo de dar inĂcio Ă criação de uma nova ordem econĂŽmica e polĂtica mundial, em substituição Ă quela surgida apĂłs a Segunda Guerra Mundial. Muitos cĂ©ticos duvidam que se consiga mais do que uma simpĂĄtica carta de intençÔes para lidar com os atuais problemas da economia. Mas vĂĄrios lĂderes do mundo desenvolvido jĂĄ admitem: o tempo em que as naçÔes ricas decidiam o futuro do mundo acabou.
Foi o que disse o premiĂȘ britĂąnico, Gordon Brown, que passou pelo Brasil e pelo Chile antes de receber os colegas do G20 em sua capital. Apesar de considerado por muitos um dos responsĂĄveis pelos efeitos da crise em seu prĂłprio paĂs, ninguĂ©m nega que Brown, ministro das Finanças por dez anos no governo Tony Blair, entende do assunto. Ele fala com a autoridade de quem viu, dos corredores do poder, a globalização se intensificar sem limites por mais de uma dĂ©cada e agora vĂȘ seu prĂłprio futuro polĂtico ameaçado por suas incongruĂȘncias (uma eleição no ano que vem ameaça tirĂĄ-lo do poder). Por isso o que ele diz merece crĂ©dito, mesmo que nĂŁo seja exatamente uma novidade.
HĂĄ muito se fala em aumento do poder dos paĂses emergentes e a transformação do mundo em uma realidade verdadeiramente multipolar. Mas a atual crise econĂŽmica parece estar acelerando esse processo, com empresas e governos de paĂses antes considerados subdesenvolvidos ganhando poder e influĂȘncia. Essa pelo menos Ă© a tese de vĂĄrios especialistas, entre eles Jim O'Neill, do Goldman Sachs, entrevistado na nossa sĂ©rie especial "BRICs 2020", publicada a partir desta segunda-feira aqui no site da ±«Óătv Brasil. O'Neill, que no inĂcio da dĂ©cada previu a consolidação de Brasil, RĂșssia, China e Ăndia como potĂȘncias em 2050, afirmou Ă nossa reportagem que esse processo jĂĄ estarĂĄ muito mais claro daqui a 11 anos. A crise global estaria, na sua visĂŁo, tirando mais rapidamente dos paĂses desenvolvidos um poder econĂŽmico a ser distribuĂdo entre as naçÔes emergentes mais fortes.
Quatro meses atrĂĄs, quando resolvemos produzir uma sĂ©rie especial explorando como devem estar os BRICs em 2020, essa realidade nĂŁo era tĂŁo clara. Se tivĂ©ssemos entrevistado O'Neil em novembro, quando a sĂ©rie começou a ser produzida, talvez o economista americano nĂŁo falasse desse processo com tanta convicção. Mas a velocidade do agravamento da crise aumentou a crença de muitos de que, em meio Ă atual tempestade, o cenĂĄrio global estĂĄ mudando de forma mais veloz do que o esperado. A revista The Economist traz inclusive , mostrando que grandes empresas de paĂses emergentes, a nova geração de multinacionais, continuam se destacando e crescendo apesar da crise.
A ±«Óătv Brasil nĂŁo teve a intenção de prever o futuro. Nossos repĂłrteres foram a vĂĄrios locais no Brasil, na RĂșssia, Ăndia e China para identificar onde estĂĄ o maior potencial desses paĂses para o ano de 2020 e onde se encontram seus maiores desafios. A força da RĂșssia na Ășltima dĂ©cada, seu potencial energĂ©tico, pode ser seu calcanhar de Aquiles daqui a 11 anos caso o paĂs nĂŁo diversifique sua economia. A China aposta na educação, mas acumula uma imagem negativa de vilĂŁo do aquecimento global. A Ăndia pode ter suas ambiçÔes prejudicadas se nĂŁo combater de forma decisiva a pobreza absoluta de grande parte da sua população. O Brasil tem uma chance Ășnica em sua histĂłria de combinar potencial energĂ©tico e produção agrĂcola para se tornar uma potĂȘncia, enquanto Ă© cada vez mais cobrado na ĂĄrea ambiental.
O G20 pode assumir as rĂ©deas da futura nova ordem internacional a partir do encontro desta semana em Londres. Os quatro BRICs, como maior força dentro da turma dos emergentes, tĂȘm muito a ganhar com essa mudança. Talvez atĂ© jĂĄ negociando de igual para igual com os atuais chefes do mundo no ano de 2020.