Retribuição de grego
NĂŁo se trata exatamente de um presente. Melhor chamar de retribuição de grego. Afinal, o quadro de dĂvida pĂșblica fora do controle e trabalhadores tomando as ruas, num paĂs "Ă beira do abismo", como disse seu presidente, Ă© ainda uma consequĂȘncia direta dos exuberantes anos de dinheiro fĂĄcil das dĂ©cadas de 90 e 2000. Como o Primeiro Mundo finalmente descobriu, durante o auge da crise de crĂ©dito em 2008, dinheiro nĂŁo cai do cĂ©u. A GrĂ©cia agora sabe disso muito bem. A atual crise grega Ă© prova de que a onda do crĂ©dito solto, que seduziu bancos e cidadĂŁos por tantos anos, tambĂ©m viciou Estados nacionais.
O Estado grego foi mal acostumado nas duas Ășltimas dĂ©cadas, gastando muito mais do que arrecadava, fazendo dĂvidas e mais dĂvidas, lembrando inclusive o Brasil dos anos 70. Os militares brasileiros endividaram o paĂs para fazer a ponte Rio-NiterĂłi, o metrĂŽ do Rio e de SĂŁo Paulo etc e, quando o preço do petrĂłleo disparou, foram pegos de calças curtas. JĂĄ a elite polĂtica grega aumentou os salĂĄrios do funcionalismo, construiu e, logicamente, produziu os carĂssimos Jogos OlĂmpicos de 2004. Ă verdade que o governo grego Ă© acusado de, por muitos anos, ter falsificado dados econĂŽmicos para esconder o tamanho do buraco econĂŽmico que cavou para si mesmo. Mas o paĂs foi vĂtima do mito do dinheiro fĂĄcil. Da mesma forma como se endividar para viver numa casa maior tornou-se sĂmbolo de status nos Estados Unidos e aqui na GrĂŁ-Bretanha, ter a mesma moeda que Alemanha e França e gastar atĂ© mais do que essas potĂȘncias europeias virou sinĂŽnimo de uma GrĂ©cia forte.
No entanto, provada a fraqueza do Estado grego, vem a retribuição, para todos aqueles que compactuaram com a gastança desmedida, Estados, mercados e o impotente cidadĂŁo. A UniĂŁo Europeia percebeu que nĂŁo deveria ter permitido que a GrĂ©cia adotasse sua moeda, pois o paĂs, estando no buraco, pode acabar levando junto todo o bloco. Portugal e Espanha temem que, exposto o problema grego, suas fragilidades sejam exploradas por agĂȘncias de risco e bancos privados. Os bancos, por sua vez, credores de boa parte das dĂvidas desses preocupantes paĂses, temem nĂŁo ver seu dinheiro de volta. Se a GrĂ©cia for "Ă falĂȘncia", ou seja, declarar moratĂłria, uma reação em cadeia pode acabar com a confiança que ainda resta entre instituiçÔes financeiras e naçÔes endividadas.
O cidadĂŁo grego que viveu os bons tempos sem saber da irresponsabilidade de quem mandava no paĂs agora enfrenta a polĂcia nas ruas, em confrontos que jĂĄ deixaram trĂȘs mortos. Ele sabe que seus ganhos serĂŁo reduzidos drasticamente, enquanto os impostos irĂŁo Ă s alturas. AtĂ© maiores economias fora da zona do euro, como a GrĂŁ-Bretanha, temem pelo efeito dominĂł da crise grega. As bolsas no mundo todo despencam, inclusive a Bovespa. A exuberĂąncia irracional dos mercados financeiros, que por 20 anos fizeram a mĂĄgica da multiplicação dos dĂłlares, euros e libras, atraiu e viciou a GrĂ©cia. A terra de SĂłcrates, PĂ©ricles e PlatĂŁo agora retribui com uma crise gigantesca, que distribui ameaças para todos os lados.