tv

Arquivo para setembro 2009

Depois do G8, a ONU

Rogério Simões | 16:17, segunda-feira, 28 setembro 2009

Comentários (8)

lula.jpgOs emergentes aproximam-se cada vez mais da superfície. Num processo bastante acelerado pela crise financeira global do ano passado, o grupo das 20 maiores economias do mundo foi formalmente reconhecido como o melhor fórum para decidir sobre os rumos da economia global. O G20, a partir da reunião de Pittsburgh, na semana passada, substitui assim o G8 em temas econômicos. Do Brasil à Indonésia, passando por África do Sul, Arábia Saudita e, logicamente, China, um mundo todo antes submerso passa agora a ter plena voz nos rumos econômicos do planeta. Mas os emergentes querem mais.

Apesar de quase despercebida no Primeiro Mundo, foi significativa a realização da segunda cúpula América do Sul-África logo depois do encontro de Pittsburgh. Em sua declaração final, os líderes reunidos na Venezuela pediram uma reforma do Conselho de Segurança da ONU para que este seja "mais democrático, transparente, representativo". A mudança no comando da economia não é suficiente para um mundo que anseia por maior participação nos destinos da humanidade. Os emergentes querem que a mesma velocidade com que têm sido impulsionados para cima nas áreas de comércio e finanças se repita no mundo da política internacional.

Qualquer reforma no Conselho de Segurança, organismo formado por 15 países e criado em 1945, depende do apoio de seus cinco membros permanentes, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e Rússia. Todos têm poder de veto e podem, com um gesto de cabeça, frustrar qualquer movimento por mudança. Seu apoio não foi garantido nas tentativas anteriores de ampliação do grupo de membros permanentes, a mais recente em 2005, o que era natural. Pelo menos em tese, nenhuma dessas potências deveria ter interesse em concordar com a perda de um estratégico privilégio mantido por mais de seis décadas. Sob esse raciocínio, o Conselho de Segurança continuaria do jeito como sempre foi pelo tempo que seus membros permanentes quisessem. Mas os emergentes, satisfeitos por terem se aproximado da superfície, onde há mais luz, faz menos frio, e sua voz é ouvida mais facilmente, apostam em um momento histórico favorável.

Até o final do século passado os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança formavam também o mais do que fechado clube nuclear. Boa parte de sua credibilidade para determinar os caminhos do planeta nas áreas de política e segurança vinha do fato de que eram os únicos países detentores de armas nucleares. Mas com o tempo isso mudou: Israel silenciosamente produziu sua bomba, apesar de nunca ter admitido; Índia e Paquistão anunciaram e provaram ter suas ogivas; Coréia do Norte seguiu o mesmo caminho; e o Irã se aproxima de obter a capacidade de produzir bombas atômicas, se assim o desejar. Os cinco manda-chuvas da ONU não conseguiram impedir a proliferação nuclear.

Diante desse cenário, o presidente Barack Obama encampou a tese de um mundo sem armas atômicas e aumentou a pressão sobre o Irã. Para essa tarefa ele sabe que os Estados Unidos e seus quatro companheiros permanentes de Conselho precisam de uma ajuda mais ampla. Por isso, na Assembléia-Geral da ONU formalizou o início de uma nova era de cooperação entre seu país e o resto do mundo, o que inclui os emergentes. Nesse novo cenário, a tese de um Conselho de Segurança mais democrático e representativo, provavelmente com membros permanentes da América do Sul, da África e do sul da Ásia, ganha mais espaço. Com o crescimento da influência econômica e política de nações como Índia e Brasil, o que poucos anos atrás parecia para muitos um delírio da diplomacia brasileira passa a ser uma realidade bastante possível. Ou até mesmo inevitável.

Perigo para o Brasil em Honduras

Categorias dos posts:

Rogério Simões | 14:54, sexta-feira, 25 setembro 2009

Comentários (43)

zelaya.jpgSe Manuel Zelaya combinou ou não com o governo brasileiro sua ida à embaixada do Brasil em Tegucigalpa é algo ainda a ser esclarecido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva jura que seu governo de nada sabia e ofereceu sua palavra contra a dos "golpistas". Mas isso é pouco relevante diante do pepino em que se encontra a diplomacia brasileira, agora atolada até o pescoço na crise política de Honduras.

Todos sabem que grande poder traz grande responsabilidade. Por isso parecia uma questão de tempo, considerando o aumento da influência do Brasil na política da América Latina, que o país se visse diretamente ligado a uma crise de grandes proporções, dada o ainda alto nível de instabilidade em partes da região. Entretanto, na crise de Honduras a responsabilidade parece ter se tornado maior que o poder acumulado pelo Brasil. O país ainda não tem os recursos políticos, diplomáticos e militares que tinham, por exemplo, os Estados Unidos ao longo do século 20, tempo em que mandavam e desmandavam em quase todos os vizinhos das Américas. Por mais que a retórica de Lula pareça apoiada na razão e seja apreciada tanto por Barack Obama como por Hugo Chávez, as opções brasileiras nesta crise são limitadas.

Num passado não muito distante, mais precisamente em 1991, outro líder latino-americano passou por aperto semelhante ao de Zelaya. Jean-Bertrand Aristide mal completava um ano na Presidência do Haiti, que acabara de sair de uma longa e sangrenta ditadura familiar, quando bateu de frente com o Congresso do país, da mesma forma como aconteceria com o presidente de Honduras. Aristide perdeu o apoio político no Parlamento e acabou expulso do cargo e da meia-ilha que comandava. O país ficou nas mãos dos militares, que com o tempo passaram a sofrer pressão internacional para aceitar o retorno de Aristide ao poder. Tratava-se dos Estados Unidos de Bill Clinton e não do Brasil de Lula, então os generais acabaram não resistindo. Em 1994, tropas americanas tomaram o Haiti para garantir o retorno do presidente deposto. Aristide governou então até 1996, voltou ao cargo em 2000, apenas para ser expulso mais uma vez. Mas essa é uma outra história, que o Brasil inclusive conhece muito bem.

O fato é que o Brasil de Lula não é a maior potência das Américas, não tem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU nem tem condições ou histórico de invadir vizinhos para garantir um arranjo político, como era o caso dos Estados Unidos na crise haitiana dos anos 90. Sozinho, o Palácio do Planalto não pode fazer por Zelaya o que a Casa Branca fez Jean-Bertrand Aristide. O presidente deposto de Honduras não pode assumir residência fixa na embaixada brasileira de Tegucigalpa, e uma solução parece depender de um acordo com o governo interino. Se for obtido, o Brasil terá fortalecida ainda mais sua imagem internacional como potência emergente, confiável na mediação de crises internas ou regionais, e o presidente Lula terá reafirmadas suas credenciais como defensor da democracia no continente.

Mas, se Roberto Micheletti decidir não fazer concessão alguma, Honduras pode mergulhar num impasse político ainda mais grave, com um crescente perigo de mais violência nas ruas de um país claramente dividido. Nesse caso, o Brasil poderá lamentar ter atendido a campainha e oferecido o sofá da sala a Manuel Zelaya.

Um ano de tempestade

Rogério Simões | 12:02, quarta-feira, 9 setembro 2009

Comentários (1)

lehman.jpgA tragédia do dia 15 mostrou-se tão grave quanto a do dia 11. Sete anos depois do monumental atentado que derrubou o World Trade Center, na mesma Nova York e no mesmo mês de setembro, um centenário banco desabou como as famosas torres gêmeas. A falência do Lehman Brothers deu início a um processo de congelamento de crédito pelo mundo afora que paralisou boa parte da economia global e quebrou outras tradicionais instituições financeiras. Foi o marco zero da maior crise financeira que o mundo viveu desde o crash de 1929.

Mas o Lehman Brothers não provocou a crise. Sua quebra foi consequência de uma era de extrema liberalização do mercado financeiro internacional, em que bancos, seguradoras e afins usavam o truque do milagre dos peixes para multiplicar dinheiro, imaginando que a conta não tivesse de ser paga um dia. O fim do Lehman Brothers, que completa um ano nesta próxima terça-feira, dia 15, indicou que a economia global teria de ser salva por medidas de ajuda sem precedentes e que o sistema financeiro internacional teria de ser revisto por completo.

O primeiro aniversário da crise global chega exatamente quando FMI, governos e analistas mundo afora começam a falar em recuperação. Economias desenvolvidas como as da Alemanha, França e do Japão voltaram a crescer, depois de experimentarem um agudo, mas relativamente curto, período de recessão. A Grã-Bretanha corre atrás, mas os mais otimistas analistas britânicos dizem que os sinais de crescimento se acumulam. Mas tanto aqui, em solo britânico, como nos Estados Unidos os números que sugerem uma recuperação ainda não se refletem no cotidiano da população. Especialmente para os milhões de recém desempregados criados pela recessão, o sofrimento está longe de chegar ao fim.

Desde a segunda-feira, dia 7, a tv Brasil conta a história desta crise, analisando os fatos e políticas que a antecederam/causaram e suas consequências. Entre as principais observações feitas sobre a crise, está a aparente resistência dos chamados mercados emergentes e mesmo de países mais pobres. A China conseguiu, por meio de investimento estatal, escapar to furacão rapidamente, ajudando com isso os que vendem matérias-primas para seus investimentos em infra-estrutura, como o Brasil. Mas, como disse o ministro Guido Mantega em entrevista à tv Brasil, a força brasileira nesta crise não está nas exporações, mas no mercado interno. O que ajudou o Brasil a sobreviver à tempestade foram, segundo o ministro, suas próprias características, e não uma mãozinha chinesa.

O Brasil, que ia para a UTI a cada crise econômica, fosse ela na Rússia ou no Extremo Oriente, não parece ter apenas sobrevivido à maior delas. O país, de acordo com o governo e muitos analistas políticos e econômicos do exterior, sai fortalecido, visto como uma nova potência econômica a ser respeitada e que aos poucos acumula dividendos políticos importantes. O G20, pelo menos momentaneamente, superou o G7 ou o G8 em importância, e o Brasil é sinônimo de G20. Os BRICs são uma espécie de novo motor da economia mundial, e o Brasil virou uma das grandes forças do grupo, ao lado da China. Este ano de tempestade global iniciou um processo de reorganização do poder econômico no mundo, que pode não ser tão amplo ou definitivo como muitos apostam. Mas é certo que o Brasil faz parte dele. Um ano depois, a crise pode estar perdendo força, mas muitos dos seus efeitos ainda estão por vir.

O que restou da "guerra ao terrorismo"

Rogério Simões | 15:53, sexta-feira, 4 setembro 2009

Comentários (13)

afeganistao.jpgO mundo mudou tanto nos últimos dois anos que é fácil se esquecer dos tempos da chamada "guerra ao terrorismo", quando o então governo de George W. Bush dividiu o globo entre os que estavam do lado dos Estados Unidos e os que estavam contra. A rede Al-Qaeda havia destruído o World Trade Center, em Nova York, e continuava inspirando outros grupos de radicais que promoviam atentados em Madri, Londres, Bali, Casablanca etc.

Oito anos depois do 11 de Setembro, bombas continuam explodindo em alguns países e matando civis em grande número. Mas elas estão cada vez mais ligadas a disputas internas, com grupos armados (classificados normalmente de rebeldes ou insurgentes) questionando a autoridade local ou nacional de um país, seja ele o Afeganistão ou o Iraque, ambos ainda ocupados por forças estrangeiras, ou o Paquistão. A palavra "terrorismo" está cada vez menos presente no noticiário internacional, e os Estados Unidos já não usam mais o termo "guerra ao terror". O mês de setembro é agora mais associado ao colapso financeiro de 2008, e não mais ao desabamento das torres gêmeas.

Diante desse novo quadro, em que crise econômica e aquecimento global tomam as manchetes dos jornais, muitos, especialmente aqui na Grã-Bretanha, se perguntam por que a aliança militar ocidental Otan continua lutando uma guerra interminável no Afeganistão. Na visão de analistas, o governo britânico enfrenta dois grandes problemas no conflito: a aparente impossibilidade de derrotar militarmente o Talebã e a dificuldade em justificar a guerra à opinião pública. Por isso, o premiê Gordon Brown viu-se obrigado a vir a público, nesta sexta-feira, para dizer que "um Afeganistão seguro significa uma Grã-Bretanha segura". Os "terroristas" da Al-Qaeda estão há anos no vizinho Paquistão, por isso muitos questionam o que afinal a Otan continua fazendo do outro lado da fronteira. Mas Brown não entrou nessa discussão. Seu discurso, como escreveu , repete a tradição de que um chefe de governo discursa sobre uma guerra apenas quando seu país está em apuros.

Desde 2001, 212 soldados britânicos morreram no Afeganistão, em comparação com 179 vítimas fatais na guerra no Iraque. Metade das mortes enfrentando os insurgentes afegãos ocorreu nos últimos 12 meses, com praticamente um britânico morto por dia atualmente. É um peixe difícil de vender para um país mergulhado na pior crise econômica do Pós-Guerra. Ainda mais perigoso para uma nação que, daqui a menos de um ano, terá a chance de, se quiser, trocar de governo.

Gordon Brown disse que a missão no Afeganistão, cujas recentes eleições presidenciais continuam sem resultado e sob acusação de fraude, "faz parte de uma estratégia internacional". É verdade que os Estados Unidos estão também, e ainda mais, atolados nesse lamaçal. Por isso Barack Obama sente pressão da opinião pública americana, mas nada perto do que foi a guerra no Iraque para Bush. E Obama não terá eleição no ano que vem, o que deve desperar uma certa inveja em Brown. Ambos os líderes têm muitos outros abacaxis para descascar, como o desemprego ainda crescente em seus países e o aquecimento global. Uma guerra disputada há oito anos em um país que nem mesmo Alexandre, o Grande conseguiu dominar, baseada no antigo mote da "guerra ao terrorismo", torna o trabalho dos dois ainda mais difícil.

A volta do Estado

Categorias dos posts:

Rogério Simões | 18:12, quarta-feira, 2 setembro 2009

Comentários (4)

lulaoil.jpgO anúncio, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dos projetos para a exploração do chamado petróleo "pré-sal" pode ser visto como mais um capítulo de um fenômeno claramente perceptível no mundo de hoje: a volta do Estado. O governo Lula quer o Estado brasileiro, por meio da Petrobras, soberano na exploração dessa nova riqueza nacional, muito diferente do que defendia a estratégia tucana para o setor nos tempos de FHC.

Logicamente, o Estado nunca foi embora, especialmente no Brasil, onde seus tentáculos, tamanho e inoperância na solução de problemas do país são fontes de críticas desde a independência do país. Mas, diante dos erros, exageros e ilusões do neo-liberalismo, com as recentes consequências nefastas nos quatro cantos do planeta, o Estado recuperou boa parte de sua credibilidade como motor de desenvolvimento econômico e provedor de soluções para os desafios da humanidade.

Aqui na Europa, o debate continua em torno de que modelo de capitalismo prevalecerá nos próximos dez, 20 ou 30 anos. A versão mais liberal, anglo-saxã, que desde os anos 80 dava aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha uma sensação de vitória na batalha econômica mundial, perdeu força. O discurso de nações como França e Alemanha, a favor de uma maior regulamentação dos mercados financeiros e mais força do Estado na condução das economias nacionais, vem tomando a dianteira. No Japão, a derrota do antes invencíveis conservadores nas eleições palamentares indica uma guinada histórica, com o futuro premiê Yukio Hatoyama prometendo aumentar gastos do Estado nas áreas sociais. O campo vitorioso na política japonesa fala em se distanciar politicamente dos Estados Unidos e promete um Estado ativo na missão de tirar o país do atoleiro econômico, mesmo diante de uma dívida pública já estratosférica.

Aqui na Grã-Bretanha, o premiê trabalhista, Gordon Brown, corre sério risco de perder o emprego nas eleições do ano que vem. Não devido às suas históricas credenciais de centro-esquerda, mas por ter liderado o namoro do seu partido com o grande capital por mais de uma década e, com isso, ter sido responsabilizado pela grave crise econômica que assola o país. Os conservadores, que nos tempos de Margaret Thatcher ajudaram a estabelecer o capitalismo financeiro como modelo mais bem-sucedido no mundo, para banqueiros. Também juram de pés juntos que vão fortalecer o sistema estatal de saúde britânico, caso vençam as eleições a serem marcadas para breve, como vêm indicando as pesquisas de opinião. Não ousam mais defender um Estado mínimo, discurso que lançaram nos anos 70 e 80. Falam apenas em Estado eficiente e austero.

Em outubro, no auge do processo de semi-estatização do setor bancário britânico, a super liberal revista The Economist , dizendo que torcia para que o mundo não abandonasse o que chamou de "liberdade econômica". O capitalismo havia errado, dizia o editorial, mas também continuava acertando. Mais recentemente, em julho, a revista disse que a crise não questionava apenas o futuro do capitalismo, mas a credibilidade das ciências econômicas. , a publicação afirmou que tanto a macroeconomia como a economia financeira saem desacreditadas da crise e precisam de uma reinvenção. A publicação não abraçou a tese de que o mundo voltará a uma era do Estado forte, como sugeriu o presidente Lula em sua fala sobre o petróleo. A Economist apenas crê na necessidade de uma reinterpretação do capitalismo moderno.

Num futuro próximo devemos conhecer melhor a estrada em que estamos, pois é provável que o mundo já esteja a caminho do fim da crise. Um economista do FMI acaba de dizer que o órgão deve rever para cima sua estimativa de crescimento global para 2010, de 2,5% para quase 3%. O responsável pela recuperação? Para o horror de neo-liberais convictos, o salvador de pátrias mundo afora ainda será o dinheiro público. Segundo o o economista, Jörg Decressin, disse que em algum momento o setor privado terá de retomar a dianteira, mas sem arriscar quando. Até lá, o Estado segue mais forte e com mais credibilidade do que jamais teve nas últimas décadas. Resta saber se, para o bem ou para o mal, também o futuro ao Estado pertence.

tv iD

tv navigation

tv © 2014 A tv não se responsabiliza pelo conteúdo de sites externos.

Esta página é melhor visualizada em um navegador atualizado e que permita o uso de linguagens de estilo (CSS). Com seu navegador atual, embora você seja capaz de ver o conteúdo da página, não poderá enxergar todos os recursos que ela apresenta. Sugerimos que você instale um navegados mais atualizado, compatível com a tecnologia.