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Arquivo para setembro 2008

Fim de festa no Primeiro Mundo

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Rogério Simões | 14:08, terça-feira, 30 setembro 2008

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wallstreet.jpgQue o mundo desenvolvido, ou simplesmente Primeiro Mundo, tem um padrão de riqueza muito maior do que o resto dos países é óbvio. Mas, para entender o que o colapso dos mercados financeiros representa nesta parte do mundo, em termos de estilo de vida, vale a pena lembrar como foi a última década nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha.

Deste lado do Atlântico, por muitos anos tanto o então primeiro-ministro Tony Blair como o então chanceler do Erário, ou ministro das Finanças, Gordon Brown, se gabaram dos números mágicos da economia britânica. Seguidamente os dois citavam dados que pareciam ter sido obtidos num passe de mágica: menores juros em décadas, menor taxa de inflação do Pós-Guerra e menor taxa de desemprego em sabe-se lá quanto tempo. Inflação baixa com juros também baixos? E emprego sobrando? Seria possível? Brown, hoje primeiro-ministro, dizia ter reinventado as leis da economia. Em 2004, um dado assustou o país, apenas para ser rapidamente ignorado: a dívida pessoal dos britânicos, em hipotecas, prestações de carro novo e cartões de crédito, . Quase o total do PIB nacional.

Até pouco tempo atrás, um britânico de classe média, sem nenhum dinheiro guardado e apenas com um emprego mediano, podia levar uma vida bastante confortável. Viajava de avião para a Itália por 1 libra (promoções em tempos de petróleo quase de graça), obtinha uma hipoteca no valor total do imóvel a ser adquirido e acumulava uma dívida de umas 5 mil libras no cartão de crédito. Isso em apenas um dos cartões, porque nada o impedia de ter vários. Tudo conseqüência da varinha de condão de Gordon Brown, que fazia de todo e qualquer cidadão britânico um milionário em potencial. Aqueles que já estavam bem ficaram melhores ainda: no final do ano, a City (centro financeiro de Londres) dava bilhões de libras apenas em bônus aos seus funcionários.

Poucos ousam chamar essa política daquilo a que ela realmente se assemelha: um esquema de pirâmide. Na edição passada da revista , segundo ele, Wall Street foi pega "em um esquema de pirâmide criado por ela mesma". A alegoria é simples: todo mundo parecia estar ficando "rico", aqui na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, com o dinheiro dos outros. Comprava-se uma casa em Londres por 150 mil libras, e dois ou três anos depois ela já valia 250 mil. O proprietário vendia o imóvel e ou embolsava o lucro ou subia mais um degrau na chamada "property ladder", a escada do mercado imobiliário, adquirindo um imóvel maior e mais caro. Aquele que comprou a casa esperava fazer o mesmo: contava com a valorização do imóvel para que outro cidadão viesse e alimentasse o sistema, adquirindo a sua residência. Enquanto isso, o mercado financeiro usava o dinheiro em circulação para gerar mais riqueza, sem que ninguém soubesse exatamente de onde ela vinha. Como escreveu Paumgarten, sobre o mercado americano: "Foi um período extraordinariamente criativo - um modernismo do dinheiro, com uma equivalente tendência à abstração". Ele acrescenta: "Era o que antropólogos e psicólogos chamam de pensamento mágico - a tendência de acreditar que desejar algo faz com que esse algo aconteça".

No mercado imobiliário, parecia claro que um dia o último da fila olharia para trás e, à espera de um novo comprador, não encontraria ninguém. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos e, conseqüentemente, aqui na Grã-Bretanha. A fonte secou. A conta de mais de dez anos de riqueza crescente finalmente veio, de uma vez só. O mercado mostrou não ter dinheiro para pagar pelos exageros. Como disseram nos últimos dias muitas figuras políticas, entre elas a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi: "A festa acabou". A mágica não funciona mais.

Fim melancólico da Era Bush

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Rogério Simões | 15:51, quinta-feira, 25 setembro 2008

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bush.jpgOs oito anos de George W. Bush à frente do governo dos Estados Unidos estão acabando exatamente como começaram: com o chefe supremo da nação aparecendo em rede nacional de TV para alertar que o país enfrenta uma crise sem precedentes. Em 2001, seu primeiro ano como presidente, logo após os ataques de 11 de setembro para avisar aos americanos que tempos difíceis estavam por vir. Era o começo da chamada "Guerra contra o Terrorismo". Agora em 2008, seu último ano na Casa Branca, o mesmo Bush para dizer, mesmo a quem não queria ouvir, que a economia dos Estados Unidos corre risco de entrar em colapso.

Há um mês, a revista americana fez o que manda o bom jornalismo. Foi mostrar o "outro lado", investigando onde e como, em meio a tantos erros históricos, . "O presidente Goerge W. Bush entra agora em seu 23º mês consecutivo com uma taxa de aprovação abaixo dos 40% (no momento está em 32%). Não importa o que ele faça, ou o que aconteça no mundo, o público parece ter decidido que Bush foi um fracasso", escreveu o experiente editor Fareed Zakaria, antes de lembrar que o presidente americano fez uma tardia, mas concreta e positiva, mudança de rumo em parte de sua política externa.

Nos dois últimos anos de governo, pragmatistas como o atual secretário da Defesa, Robert Gates, substituíram estrelas do neoconservadorismo, como Paul Wolfowitz ou Donald Rumsfeld, no comando de assuntos cruciais como Iraque e Coréia do Norte. O resultado foram avanços nessas duas frentes, com os Estados Unidos abandonando a ainda jovem Doutrina Bush (o ataque é a melhor defesa) e tirando da pauta planos mirabolantes de uma invasão do Irã. Alguém ainda acredita que os Estados Unidos, em meio ao furacão de Wall Steet, gastando quase US$ 1 trilhão para salvar seu sistema financeiro, possa enfrentar o país dos aiatolás? Possível é, mas ficou muito mais difícil.

Em seu artigo Zakaria pedia que nos lembrássemos que o mundo a ser herdado pelo futuro presidente americano será o de 2009, não o de 2003, ano da invasão do Iraque. Portanto é necessário, argumentava o editor da Newsweek, que valorizemos o fato de que Bush mudou em seu final de governo, para melhor. Mas aí veio a fase mais aguda (até agora, porque o pior ainda pode estar por vir) da crise econômica iniciada no ano passado, com o estouro da bolha imobiliária. Depois da tragédia em que se tranformou o Iraque, do furacão Katrina, do agravamento da situação no Afeganistão, do abalo da imagem internacional dos Estados Unidos, o próprio Bush veio a público dizer que a maior potência do mundo "pode cair em uma grande recessão". Antes mesmo de o mundo admitir que Bush acertou em alguma coisa, a crise econômica desabou sobre a cabeça do presidente americano.

É um fim ainda mais melancólico do que já se vislumbrava. Com a disputa entre Barack Obama e John McCain próxima de seu clímax, muitos acreditavam que Bush se recolheria na Casa Branca e se contentaria em esperar pelo dia em que deixará a famosa residência presidencial. Mas ele voltou à TV, para alertar para mais um possível Armagedom. O terrorismo deu lugar a a um possível colapso econômico. Um 11 de Setembro ainda mais assustador. Mais um motivo para os historiadores se debruçarem sobre a inesquecível e incomparável Era Bush.

O buraco na maior economia do mundo

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Rogério Simões | 12:40, quinta-feira, 18 setembro 2008

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bernanke.jpg"O ano de 2002 será sempre lembrado pela onda de escândalos que abalaram a confiança nas corporações americanas." Assim o repórter de economia da ±«Óãtv Briony Hale começava seu texto sobre 2002, publicado em 20 de dezembro daquele ano aqui na ±«Óãtv Brasil. Briony referia-se logicamente aos casos de fraudes empresariais nas gigantes Enron e WorldCom, que afetaram a imagem de solidez do capitalismo na terra do Tio Sam. Muitos tentaram ver os escândalos de seis anos atrás como casos isolados, frutos da irresponsabiliade de alguns executivos, severamente punidos pela Justiça anos mais tarde. Mas houve quem entendesse que, por trás dos acontecimentos do início da década, escondia-se um pesadelo muito maior: o de que a economia americana era muito mais frágil, vulnerável e pobre do que as aparências mostravam.

Não sou especialista em economia, entendo do assunto menos do que boa parte dos nossos leitores. Mas tendências históricas me fascinam. Por isso fiquei impressionado, quatro anos atrás, quando li pela primeira vez a avaliação do historiador francês Emmanuel Todd sobre o futuro dos Estados Unidos como potência global, no livro (Depois do Império - O Desmoronamento da Ordem Americana). Acho que inclusive já citei esse livro aqui neste blog. Todd analisa aspectos políticos, militares, diplomáticos e econômicos dos Estados Unidos para mostrar que o país chegou ao seu auge na segunda metade do século 20 e agora segue ladeira abaixo. Em algumas décadas, segundo ele, os americanos serão uma potência de importância relativa, demais ocupada com seus problemas internos para poder resolver questões em outras partes do mundo.

Na polêmica avaliação do historiador francês, os Estados Unidos eram realmente fortes quando tinham uma economia baseada em um capitalismo industrial, quando produziam coisas que se pode pegar, usar, quando sua economia era tão robusta quanto fábricas de veículos, estaleiros, computadores ou naves espaciais. Para ele, os escândalos da Enron e WorldCom mostraram que não era mais possível confiar no valor de face da economia americana. Maior PIB do mundo? Nominalmente, sim. Mas ver que a única superpotência mundial depende há anos de dinheiro japonês e chinês para financiar seu déficit e de um frenético consumo interno para manter a bicicleta de Wall Street em pé não é algo exatamente alentador.

Como eu já disse, não entendo muito de economia. Mas o cidadão comum sabe muito bem o que se passa perto dele. Em minha última visita aos Estados Unidos, em 2004, tive a impressão de que em torno do Lago Michigan havia mais iates do que contribuintes. Ao comentar com um morador local como aquela riqueza me impressionava, ele disse: "Mas os barcos não são deles. São dos bancos. Isso tudo é crédito. Ninguém tem dinheiro de verdade aqui, as pessoas têm crédito". Assim como as grandes empresas americanas. Num dia elas têm dinheiro, ou promessa de dinheiro, papéis que dizem que elas têm dinheiro. No dia seguinte, o dinheiro se foi. Onde estava esse dinheiro, ninguém sabia ao certo, porque um emprestou para o outro, que emprestou para um terceiro, que ofereceu para um quarto, que prometeu pagar quando recebesse de alguém cujo patrimônio ninguém checou.

À frente dessa economia não mais baseada na indústria, mas muito mais na ciranda financeira, na especulação sobre o futuro, na promessa de retorno, está o Federal Reserve. Mas pouco mais de um ano atrás, seu presidente, Ben Bernanke (foto acima), dizia que a crise imobiliária não era uma ameaça grave. Semanas depois teve de admitir que "as perdas financeiras globais excederam até as expectativas mais pessimistas". E o pesadelo mal havia começado.

Em agosto de 2007, no início da crise, o Fed lançou US$ 24 bilhões no mercado para conter a queda das bolsas. Nesta quinta-feira, 18 de setembro, foi obrigado a injetar US$ 180 bilhões. Isso depois de desembolsar US$ 85 bilhões para salvar a AIG. E o incêndio continua. Parece que aqueles que viram nos escândalos da Enron e da WorldCom algo mais do que práticas criminosas tinham razão em temer pelo futuro da maior economia do mundo. O buraco parece ser muito mais embaixo.

Republicanos e russos: bons vencedores

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Rogério Simões | 21:05, segunda-feira, 15 setembro 2008

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palin.jpgNão é simples dizer quem fez a melhor convenção partidária nos Estados Unidos, se democratas ou republicanos. O senador Barack Obama levou um estádio inteiro e boa parte do mundo à loucura com um discurso histórico, de quase levar às lágrimas (houve quem chorou mesmo). Tudo para seu colega de Parlamento John McCain estragar a festa pouco depois, anunciando Sarah Palin (foto) como sua vice. Na convenção republicana, a senhora pitbull fez um discurso de levantar defuntos e tornou-se a grande novidade da campanha presidencial americana. Então, afinal, quem venceu?

A pergunta valeria também para Rússia e as lideranças ocidentais no conflito na Geórgia, em que tanto russos como americanos cantaram vitória. E, como no embate presidencial americano, a resposta seria parecida. Venceu aquele que acredita na vitória e a abraça em público, sem medo, sem vergonha, para o mundo todo ver. A Rússia pode até ter perdido pontos práticos no jogo político internacional, sendo congelada em importantes organismos e negociações, sob risco de isolamento. Mas o presidente Dmitry Medvedev aparece em público como um super campeão dos pesos pesados, um lutador que ergue os braços no ringue independentemente da decisão dos juízes. e fez pronunciamentos como se fosse Bolt ou Phelps, supremo em uma consagração olímpica. Dominou a mídia com desenvoltura, vendeu seu peixe muito bem vendido. Subiu no pódio mesmo antes de anunciado o resultado final da prova, mas não importa. Apareceu bem na foto.

O mesmo pode ser dito sobre os republicanos. Mestres na arte de vencer eleições, eles aproveitaram o momento da entrada de Sarah Palin na equação eleitoral e ergueram os braços dizendo aos americanos terem vencido a batalha das convenções. Souberam dobrar a resistência anterior da mídia, que via em Obama a única pauta interessante, e dominaram os espaços de TV e jornais. Assumiram a liderança da disputa no grito. Como disse nosso grande Lucas Mendes, os democratas ficaram congelados depois do furação Sarah Palin. Obama sentiu o golpe, não conseguiu ir às ruas e posar de vencedor, convencer os americanos de que é ainda mais forte do que a fortalecida campanha adversária. As recentes pesquisas de opinião indicam uma disputa extremamente acirrada apesar das palavras reveladoras do senador democrata, dignas de um messias. O veredicto final da disputa americana será apenas em 4 de novembro, e nem Rússia nem Estados Unidos sabem exatamente qual o resultado do conflito na Geórgia no longo prazo. Mas russos e republicanos mostraram que sabem cantar vitória. Como política não é uma ciência exata, seus adversários que se cuidem.

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